Uma Grounded Theory sobre as experiências de brasileiras com anúncios contraintuitivos

As brasileiras e a publicidade contraintuitiva: enfrentamento do racismo pela midiatização da imagem de mulheres negras


Autor del libro: Francisco Leite
Editor: 1ª edição, São Paulo: Alameda/ FAPESP, 2018
ISBN: 978-85-7939-479-9
Páginas: 378

 


O livro As brasileiras e a publicidade contraintuitiva – Enfrentamento do racismo pela midiatização da imagem de mulheres negras, de autoria de Francisco Leite, para além de apresentar o resultado de uma brilhante pesquisa de doutorado, desenvolvida na ECA-USP, analisa com rigor metodológico, as engrenagens de sentidos múltiplos que anúncios contraintuitivos, que fazem uso da imagem de mulheres negras como protagonistas – muitas vezes, bem-intencionados –, podem produzir ou não para desconstruir estereótipos racistas. A comunicação contraintuitiva, como moderadores contraestereotípicos, nos estudos de Leite pode ser compreendida como um termo técnico que sinaliza o potencial inovador que as ações de marcas podem deliberar e contribuir para ressignificar positivamente estereótipos a partir de suas materialidades midiáticas de objetivos mercadológicos.

Nessa obra, Francisco Leite, a partir do campo das Ciências da Comunicação, em sintonia com outras áreas do saber, oferece uma significativa contribuição ao compartilhar um quadro interpretativo inédito que demonstra como os efeitos de publicidades contraintuitivas, em relação aos estereótipos, podem repercutir nas estruturas de conhecimento e sobre as experiências de mulheres brasileiras (brancas e negras). Esse conhecimento é construído a partir dos significados que as mulheres produzem quando interagem com esses anúncios.

Alcançar os significados que enredam essas experiências só foi possível pela sofisticada articulação teórica e metodológica que o autor assume para a construção do saber que o seu livro faz circular. Esse raciocínio teóricometodológico considera o Interacionismo Simbólico e Estudos da Midiatização, como referencial teórico e a abordagem metodológica qualitativa adotada segue a proposta da Grounded Theory Construtivista. Essa metodologia, de modosistemático, orienta a construção do quadro teórico substantivo organizado no livro.

Francisco Leite, que é um pesquisador reconhecido por outras obras já publicadas, sobre inovações do uso de estereótipos na comunicação (Leite, 2014, etc.), bem como a respeito da diversidade e representação dos negros e das negras nos espaços midiáticos e publicitários no Brasil (Leite, 2018, etc.). Neste seu último livro, mostra sua inquietude ao aprofundar as dimensões das suas pesquisas, levando-as a refletir e encontrar as dimensões do empírico nas mediações culturais do cotidiano, tendo as experiências de mulheres brasileiras como farol.

Sem ser panfletário, As brasileiras e a publicidade contraintuitiva demonstra um equilíbrio ao sugerir pelas suas bases teóricas e empíricas caminhos que poderiam ser adotados pelo campo publicitário na busca de comunicações de marcas mais responsáveis. Desse modo, a leitura do livro proporciona também a outros pesquisadores, profissionais de comunicação, principalmente da área publicitária, dados para análise e criação de peças e ou campanhas mais conscientes, especificamente, se o público-alvo for a mulher.

O cuidado que Francisco Leite teve na construção do saber e da redação desse livro, utilizando as regras necessárias para a exposição das vozes e experiências das mulheres brasileiras, coautoras da obra, provoca no leitor uma vontade de dialogar com o trabalho. Ao longo da leitura a sensibilidade para um olhar “antirracista” (Bonnett, 2000) é estimulada, bem como o despertar para uma “ética do cuidado” (hooks, 2019; Boff, 1999) fica latente ao longo das provocações interpostas pela interdiscursividade do texto.

Na introdução da obra, Francisco Leite, ressalta a originalidade do trabalho ao elucidar o seu objetivo de construir um estudo substantivo sobre as experiências de interações de mulheres brasileiras (negras e brancas) com a publicidade contraintuitiva, compreendendo pelos seus olhares os significados e repercussões em estereótipos tradicionais associados à mulher negra” (p.19). Dessa forma, ao alcançar esse objetivo, o autor afirma que oferece ao campo da comunicação, especificamente, no que diz respeito a publicidade, “uma produção científica atualizada sobre a publicidade contraintuitiva, buscando subsidiar novos/outros debates, percepções e perspectivas acerca dos efeitos da comunicação nos estereótipos sociais” (p. 28).

No capítulo I, observar-se uma expressiva e interessante revisão teórica, que chama atenção por abranger, de forma didática, disciplinas multidisciplinar e transdisciplinar, levando o leitor a conhecer como conceitos e teorias de diversos campos dialogam e convergem para um entendimento lógico, dos estudos da comunicação publicitária contraintuitiva.

Já no capítulo II, o autor se dedica a compartilhar, de forma atenciosa, os referenciais teóricos (interacionismo simbólico, midiatização e mediações) que vão conduzir as reflexões sobre a investigação do tema em pauta, já que, na sua opinião, dão apoio e conduzem o leitor na compreensão do lugar e das “ideias principais que atravessam o conhecimento produzido neste estudo e explicam o enquadramento teórico que fundamentam o entendimento de sua contextualização analítica” (p.29).

Enquanto no capítulo III, Francisco apresenta detalhadamente a metodologia Grounded Theory, mostrando os seus procedimentos e técnicas para a edificação de teorias substantivas, bem como os seus desdobramentos históricos, as escolas da metodologia e suas problemáticas. A recuperação e organização dessas informações são altamente significativas, pois deixam explícitas as trajetórias que o autor empreendeu para a realização da sua pesquisa. Já no capítulo IV, ele descreve também com minuciosos detalhes toda execução da investigação, desenhando o processo da pesquisa, para atender os ditames da metodologia. Essa sistematização exigida pela metodologia adotada é relevante, pois possibilita que outros pesquisadores possam replicar a investigação.

A pesquisa de Francisco é tão intensa e meticulosa, o que conduziu a publicação desta obra, que os resultados obtidos estão divididos em dois capítulos. No capítulo V, o leitor encontra os resultados das experiências de interação de mulheres brasileiras (tanto brancas quanto negras) com anúncios contraintuitivos (Categoria Central Geral) enquanto no capítulo VI, os resultados estão voltados especificamente para as experiências de interação de mulheres brasileiras negras com anúncios contraintuitivos (Categoria Central Específica). Essas duas categorias centrais estruturam, alinham e dão unidade ao quadro teórico explicativo que o livro apresenta.

Isso significa dizer que, o autor não se deteve apenas investigar, analisar e interpretar as interações que as mulheres, tanto brancas quanto negas, fazem quando se deparam com publicidades contraintuitivas, o aprofundamento da sua pesquisa leva o leitor a conhecer também com mais atenção as vozes, as vivências e interações das mulheres brasileiras, negras, no que diz respeito aos efeitos que estereótipos sociais racistas impregnados e institucionalizados na sociedade, consciente e inconscientemente, operam no seu cotidiano. Ou seja, a partir dessa Categoria Central Específica apresentada na teoria que o livro compartilha, contextualizada no capítulo VI, Francisco apresenta com muita sensibilidade os sentidos da “Experiência da Dor do Racismo e os Efeitos de Anúncios Contraintuitivos para sua Redução”.

As discussões dos resultados obtidos na pesquisa se encontram no capítulo VII, com uma vasta e articulada revisão da literatura, o que enriquece ainda mais a contextualização do trabalho edificado, instigando o leitor a conhecer esses dois processos/caminhos emergidos na pesquisa e compartilhados no livro – um amplo e outro específico, como já foi explicitado no parágrafo acima –, além de conduzi-lo a observar, que as interpretações das mulheres brancas e negras diante dos anúncios contraintuitivos produzem sentidos múltiplos e distintos.

A inquietude de Francisco, diante dos desafios, criados por ele mesmo, para atingir seus objetivos de investigação, que ele divide com todos nesse livro, sensibiliza e, com certeza, instiga a leitura da obra. Enfim, este é um livro para todos aqueles que buscam aprender e exercitar o olhar para a diversidade racial, para o antirracismo, para a mutualidade. É um livro transformador e inspirador.


Neide Arruda
Profesora en FMU/FIAM/FAAM

Referências bibliográficas

Boff, L. (1999). Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes.

Hooks, B. (2019). O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 6. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.

Leite, F. (2018). Primeiras Experiências com o Racismo: crianças negras, agentes parentais e midiatização. São Paulo: Annablume.

______________. (2014). Publicidade contraintuitiva: inovação no uso de estereótipos na comunicação. Curitiba-PR: Appris.